Quando
se pretende discutir a complexa e amplamente negligenciada questão dos direitos
universais do bebe prematuro, pano de fundo que qualifica, em ultima análise, a
eficiência ampliada de uma Unidade Neonatal, ou quando se estabelece a
discussão acerca da observância pelas equipes de saúde à inviolabilidade destes
direitos naturais da espécie humana, é necessário antes de qualquer coisa
estabelecer uma compreensão consensual dos conceitos bebe prematuro e prematuridade
da forma como os utilizamos, de modo a permitir sua utilização ótima e sua
aplicação aceitável, evitando a tradução incompleta ou deturpada da informação
que se pretende movimentar.
O
termo prematuridade está associado à duração
do tempo de gestação dos bebes humanos. Embora já se discutam em vários protocolos
a definição exata da duração fisiológica da gestação humana necessária para o
nascimento a termo, a Organização Mundial da Saúde estabelece o marco de 37
semanas como limítrofe entre a prematuridade e a duração da gestação fisiologicamente
aceitável para o nascimento em tempo ótimo.
A
condição prematura, entretanto, abrange uma ampla variação clinica, implicando
em incidência variada de manifestações que vão desde aquelas presentes na
prematuridade extrema àquelas outras que definem a prematuridade limítrofe.
Isto permite afirmar que a prematuridade possui uma plasticidade que empresta a
ela uma imensa gama de significados. Sua expressividade e complexidade são
inversamente proporcionais à duração da gravidez: quanto mais curto o tempo
gestacional, mais ricamente caracterizada é a manifestação clinica da
prematuridade, quanto mais longo esse tempo, menos expressiva ela é.
A
prematuridade relativa a 25 semanas é inteiramente diferente em seu significado
funcional daquela outra relacionada a 36 semanas de gestação. Além de clinica,
essa expressão amplamente diversificada diz respeito às conseqüências
familiares e sociais que são da mesma forma diretamente ligadas à intensidade
dessa prematuridade. É, por isso, um conceito amplo, e não único. Uma palavra
única com significado múltiplo. Muitos conceitos em um único termo. A
prematuridade e sua significação plástica. A prematuridade e a necessidade de
se compreende-la em sua larga abrangência de sentidos. Todos num só. Um só
significando tanto.
Nascer
prematuramente, por sua vez, é um importante acontecimento global. Segundo
dados da Organização Mundial da Saude, no ano de 2005 aproximadamente 10% da
população mundial nasceu antes do tempo adequado. Esse numero corresponde a
alguma coisa em torno de 13 milhões de nascimentos prematuros em todo o planeta
naquele ano. 11 milhões desses nascimentos prematuros ocorreram na África e na
Ásia, sabidamente os continentes mais pobres do mundo (1). Para bebes tão
pequenos são números gigantescamente assustadores. Dados estarrecedores quando
o assunto são bebes tão delicados.
Em
um de seus estudos, a Dra Nathalie Charpak afirma que o mapa da prematuridade
se sobrepõe ao mapa da miséria em nosso planeta (2). Os números da OMS
dramaticamente confirmam isso. Essa simples constatação dimensiona a
importância social do nascimento prematuro e das suas conseqüências para a vida
do planeta.
Uma
realidade que impressiona.
Como
afirmado anteriormente, o nascimento prematuro além das previsíveis e hoje bem
estabelecidas conseqüências fisiológicas para a historia de vida do bebe, é o
responsável direto por inúmeras intercorrências na vida de sua família e do
ambiente social em sua volta, envolvendo cuidadores, gestores e apoiadores que
formam assim uma imensa rede social em busca de caminhos muitas vezes de
natureza empírica e intuitiva no sentido de tentar devolver naturalidade àquele
nascimento.
Essa
grande crise caracterizada por culpas, medos, sustos, enfrentamento de
dificuldades vivenciadas na busca de uma vaga em Unidade Neonatal, associado a submissão
compulsória às barreiras impostas às mães e familiares desse bebe ligadas ao lento
e doloroso aprendizado do convívio com as regras rígidas que comandam o
funcionamento destas Unidades traz até a família prematura uma mistura de
sentimentos ao mesmo tempo de solidariedade e abandono, de esperança e de
perda, de desespero e de fé. A sociedade é chamada a prestar apoio. As
instituições de saúde se argumentam com tecnologia cada vez mais complexa. Crise. Gastos. Desenvolvimento tecnológico. De
um nascimento prematuro ninguém parece escapar ileso.
Desta
grande engenharia e conjunção de conhecimentos multiprofissionais, nasce para a
neonatologia moderna um grupo de personagens a que podemos chamar bebes de UTI, recém-nascidos criados sob
o cuidado distante da família e entregues aos avanços tecnológicos
indispensáveis acionados para otimizar a monitorização e o tratamento dos
agravos que acompanham o nascimento prematuro. Desde o inicio, envolvidos por
um numero cada vez maior e mais complexo de artefatos, estes bebes de UTI desenvolvem respostas
físicas e comportamentais semelhantes, fortalecendo a motivação necessária para
que este conceito, bebe de UTI, se
popularizasse.
Um
conceito embutido guardado no termo prematuridade
é o significado do que chamamos bebe
prematuro.
É
perfeitamente compreensível por conta das características que a condição
prematura empresta a esse bebe que o senso comum tenha resolvido chamá-lo bebe prematuro. Da mesma forma é
perfeitamente previsível que o conjunto de eventos clínicos comuns a este grupo
especifico de bebes tenha criado a necessidade de encontrar um termo
didaticamente adequado para defini-lo. Também é absolutamente aceitável que o
conjunto de respostas às duvidas da família e de toda a
sociedade
sobre esta criança possa ser oferecido em bloco pelas ciências da saúde e ser
direcionado a um estereótipo de bebe que o conceito comum adotou como nome de bebe prematuro, uma espécie de sub-grupo
fortemente representativo da família dos bebes
de UTI.
É
preciso observar entretanto um aspecto fundamental que passa muitas vezes
despercebido ao olhar comum quando se adota o conceito de bebe prematuro.
Considerando
o bebe humano nascido dentro do período fisiologicamente considerado ótimo, é
fundamental compreender que o bebe
prematuro não representa uma individualidade diferenciada daquele outro com
características diversas, e que a prematuridade que traz graves conseqüências à
sua fisiologia não torna, apesar disso, o bebe prematuro menos integro, menos
digno e menos completo que aquele outro.
O
bebe prematuro não é, por conta disso, uma entidade per se.
A
imensa variabilidade de expressões clinicas carreadas pela prematuridade
conforme sua intensidade sequer permite simplificar o conceito bebe prematuro, que como vimos não é um
só, são vários, distintos, imensamente diferenciados e bem caracterizados.
A
prematuridade que empresta ao bebe humano o rotulo bebe prematuro é um fenômeno de manifestação transitória e
superável ainda que com níveis diversos de conseqüências a longo prazo, mas que
em hipótese alguma diminui sua competência ou limita as potencialidades de sua totalidade
e integridade como ser humano.
Não
há, portanto uma dualidade formada entre os bebes nascidos a termo e os
nascidos de modo prematuro. Sua diferenciação é meramente fisiológica e não
qualifica competências, dignidade e direitos distintos.
O
bebe prematuro não existe como um ente.
Isso
é um fato.
A
condição prematura não pode arranhar sua condição inegociável de autentico
representante da espécie humana.
É
muito comum ao profissional de saúde e mesmo à família e à sociedade confundir
fisiologia e competências, sinais clínicos e habilidades emergentes destes
bebes com nascimento prematuro. Esta confusão conceitual e incompetência profissional
é muitas vezes a principal responsável pelo comportamento inoportuno das equipes
de saúde e dos familiares em relação a estes bebes.
Preocupada
com as conseqüências deste olhar equivocado sobre a vida e as capacidades do
bebe, a ciência tem tentado desde as ultimas décadas buscar alternativas que
permitam a ampliação do cuidado com este bebe para além dos limites da Unidade
Neonatal e de seus dispositivos constrangedores e desrespeitosos, permitindo-se,
através de caminhos alternativos, facilitar o envolvimento acolhedor dos pais,
da família, da sociedade e de seus próprios cuidadores em direção à atenção
integral a este bebe nascido prematuramente.
São
exemplos destas alternativas da ciência redimida a Metodologia Mãe Canguru que
devolve à mãe o mátrio poder perdido
pela condição prematura do nascimento de seu filho, permitindo a retomada do
vinculo roubado pela Unidade Neonatal, bem como outras formas do cuidado dito
“humanizado”, como o NIDCAP, cujo grande mérito é a ampliação do foco da atenção
profissional para além da condição clinica do bebe, envolvendo o ambiente, o
acesso da família ao bebe, a “ecologia” da Unidade Neonatal de uma forma geral ,
capacitando o profissional para uma percepção diferenciada da fisiologia do
bebe e do manejo de seu entorno.
Não
é muito lógico esperar coerência de um planeta onde um bilhão de pessoas passam
fome (3) que necessitaria, segundo dados da ONU, o investimento de 3 bilhões de
dólares para ser controlada e que ao invés de controlar essa fome que destrói a
própria espécie faz opção por gastar 1,3 trilhões de dólares com armamentos
nucleares. Um planeta que vê morrer uma criança a cada 3,6 segundos de causa
evitável e que se comporta como quem não se importa ou como quem parece não se
incomodar com isso.
Esta
incoerência e falta de critérios éticos espalha seus fragmentos altamente
prejudiciais à dignidade humana por todas as áreas da vida contemporânea.
A
saúde não escapa ilesa dessa influencia desastrosa.
Uma
sociedade em colapso.
Restringindo
nosso olhar para o comportamento médico em relação ao bebe nascido
prematuramente não é difícil detectar sinais dessa incoerência e falta de
critérios éticos, fruto de uma civilização esquizóide e autodestrutiva.
Temos
sido treinados a utilizar sistematicamente uma linguagem bioquímica e
farmacológica durante nossa pratica diária no trato com esses bebes. Acabamos assim
por nos tornar especialistas em miliequivalentes e miligramas, tornando-nos
especialistas em traduzir alterações fisiológicas em leitura bioquímica e
cuidados necessários em leitura farmacológica.
Fanáticos
por dopamina, perdemos o fio da meada que nos conduziria ao cuidado individualizado com o recém nascido,
desprezando o ponto de vista do cuidar em
detrimento do fúria curadora em tratar.
Desprezamos
os decodificadores da linguagem corporal desses bebes e certamente por isso
tornamo-nos especialistas em compreender taxas glicêmicas e índices de
saturação ao mesmo tempo em que nos analfabetizamos na leitura do bocejo de um
bebe, de suas mãozinhas cerradas, olhinhos bem abertos ou de seu braço sobre a
face como se desejasse se esconder ou se proteger de nós. Mal soletramos, sua
regurgitação, sua organização, de sua desorganização. Simplesmente ignoramos e
sequer registramos seus significados nos prontuários clínicos durante nossas
visitas diárias.
Normatizamos
algorritmos bem fundamentados que entram em ação cada vez que a saturação periférica
de um bebe cai de 96 para 72%, mas somos paradoxalmente incapazes de abraçar e
confortar uma mãezinha adolescente de primeiro filho que entra chorando na
Unidade para visitar seu bebe pela primeira vez. Estamos muito longe de
entender a dor materna e conecta-la com a queda de saturação de seu bebe.
Estamos muito distantes da aceitação do fato que a harmonia materna pode ser
utilizada para a estabilização da vida de seu filho. A UTI é Neonatal. A dor da
mãe não entra na tomada de decisão. Assumimos sistematicamente uma postura de
completa negligencia em relação e essa dor e quando decidimos intervir, na
maioria das vezes utilizamos conhecimento tácito, empírico, improvisado e por
inspiração do momento. Desaprendemos a função do abraço. Nos afastamos da vida.
A ciência sequer preta atenção habitual no cuidado materno. Em recente estudo,
Caroline Tronco e cols analisaram o conteúdo temático de 608 resumos de
trabalhos acerca da saúde de bebes de baixo peso e de muito baixo peso em UTIs
neonatais publicados entre 1990 e 2008. Embora demonstrassem
os “avanços na atenção a saúde do
recém-nascido, a complexidade clínica e as implicações para sua assistência” estes
estudos revelaram nas suas letras o grande ausente do cuidado com este bebe: a
sua família. Ainda não percebemos a importância essencial de um cuidado voltado
para o desenvolvimento do bebe e centrado na família. Família não cabe em
ampolas. Família não se mistura com monitores. Vamos priorizando a tecnologia e
asfixiando o humano sem perceber que isso é a trajetória para o colapso.
Da
mesma maneira, a saturação, a coloração da pele, a presença de resíduo gástrico
hemorrágico ou não recebem invariavelmente de nossa pratica equivocada um
tratamento e uma leitura preferencialmente bioquímica em detrimento da que
poderia levar à correção dos fatores ambientais favorecedores da desorganização
que muitas vezes é a causa maior dessa pele moteada ou desse resíduo
indesejável.
Fanáticos
por dopamina, já não sabemos ler a linguagem do corpo.
Analfabetizamos.
Submersos
em imensa lista de diagnósticos clínicos em busca de resolução, não valorizamos
o fato de que os bebes nascidos prematuramente são dotados de razão e
consciência e possuem vida anterior ao nascimento, bem como memória,
aprendizado, emoção e capacidade de resposta e interação com o mundo em sua
volta, acabando assim por desrespeitar sua integridade mais ampla e
desconsiderar sua capacidade de percepção e interação...
Acostumados
com a rotina diária e impessoal de nossas atividades clinicas, não percebemos o
direito desses bebes de serem reconhecidos em todos os lugares como pessoa
perante a grande Lei Universal.
As
normas rígidas e muitas vezes exageradas do funcionamento das Unidades
Neonatais fazem com que nossos olhos profissionais descuidados não dêem
importância à preservação do vínculo familiar como parte fundamental da vida
deste bebe. Estabelecemos horários para visitas maternas, transformando pais em
visitas e ferindo mortalmente o vinculo sagrado entre a mãe e o bebe que
deveríamos preservar.
Sufocados
pelas dificuldades sociais e tecnológicas muitas vezes intransponíveis e fora
de nosso alcance, negligenciamos a esse bebe o tratamento idealmente
estabelecido pela ciência contemporânea, deixando de oferecer a ele o cuidado
de uma equipe multidisciplinar capacitada a compreendê-lo, interagir com ele e
a tomar decisões harmônicas em seu beneficio e em prol de seu
desenvolvimento. Arquitetamos a falta de vagas investindo mais valores em
defesas militares que em preservação da vida de um bebe.
Habituados
à sua rotina bioquímica e farmacológica, desaprendemos a leitura dos sinais
comportamentais dos bebes que observamos, deixando com isso de identificar,
compreender, valorizar e respeitar os seus sinais de aproximação e afastamento
como se não fossem fundamentais para a sua organização e sua saúde, objeto
final de nosso trabalho. É assim que nos tornamos quase cegos. É assim que nos
comportamos como analfabetos por não conhecer nem identificar a linguagem
corporal muitas vezes gritantes destes bebes.
Ignoramos
quase sempre a possibilidade da prevenção da dor nesse bebe, submetendo-o
inadvertidamente a tortura clinica cruel e degradante. Passamos por cima dos
processos disponibilizados pela ciência atual para prevenir essa dor,
prejudicando sua reorganização em nome das necessidades protocolares das
rotinas do serviço. Bastava tão pouco para protegê-lo da dor e ainda assim não
o fazemos por falta de pratica ou de interesse.
Impedimos
em nome dessa mesma rotina o seu direito ao repouso reparador, interrompendo de
forma aleatória e irresponsável e sem motivo justificado seu descanso, e ainda
desrespeitando seus períodos de sono superficial e profundo, essenciais para
seu desenvolvimento psíquico adequado e sua regulação biológica,
Relaxamos
muitas vezes em relação a preservação dos limites de ruído que a Unidade
Neonatal impõe a este bebe. Misturamos o som do maquinário ao barulho desmedido
de nossa voz, perturbando sua necessidade de repouso sonoro que desde o útero
favorece seu desenvolvimento psicomotor. E não assumimos esse crime hediondo e
repugnante.
Submetemos
esse bebe inúmeras vezes por dia a procedimentos estressantes aplicados de
forma displicente, injustificada e abusiva. Trocas de fralda, pesagens, tomadas
de temperatura, verificação de eliminações, tudo feito de forma desordenada e
assincronica, em nome de uma rotina negligente, desumana e irresponsável.
Não
permitimos, sob a alegação de monitorização continua, que esse bebe perceba a
alternância entre a claridade e a penumbra, para ele a noite e o dia.
Anarquizamos com isso sua fisiologia circadiana de modo displicente e sem perdão.
A
nossa UTI Neonatal não tem lugar para a mãe e sua imensidão inteira. É
Neonatal. Não maternal. Por conta disso delimitamos horários para presença da
mãe na unidade, dividindo de modo criminoso o indivisível, e desconsideramos
por inúmeras vezes a possibilidade da adoção da Metodologia Mãe Canguru que
permitiria a esse bebe crescer e desenvolver-se à luz do amor materno, do calor
materno e do leite materno que simbolizam a ciência tecnocrata redimida.
Tratamos
com descuido e sem zelo as possibilidades desse bebe ser alimentado com o leite
de sua própria mãe. Negligenciamos suas possibilidades de sucção, permitindo
muitas vezes de forma inadvertida seu contato com formulas artificiais e bicos
de chupetas e mamadeiras. Faltamos com o empenho necessário para a criação de
Bancos de Leite Humano, uma vez que nenhum custo financeiro deveria ser considerado demasiadamente grande quando utilizado
em seu beneficio. Permanecemos distantes do dia em que nenhuma fórmula láctea
será displicentemente prescrita e nenhum zelo será descuidadamente aplicado sem
que isso signifique desatenção e desamparo.
Caminhamos para um tempo em que se torna
irreversível a necessidade de reformulação do ambiente do bebe nascido
prematuramente.
Vale anotar que esse bebe nasce de forma
prematura por causas e
fatores quase sempre ligados à história materna, e não à sua condição
propriamente dita: gravidez em meninas menores de 16 anos ou em mulheres com
mais de 35, uso irresponsável de
drogas, álcool e tabagismo, hipertensão e diabetes materna, nefropatias durante
a gravidez, descolamento da placenta, quantidade anormal do líquido amniótico,
anemia, pré-eclampsia, gravidez múltipla, pré-natal irregular, etc...
Isto equivale a dizer que o grande
distúrbio fisiológico sofrido pelo bebe que nasce prematuramente não tem origem
primaria em suas disfunções orgânicas, uma vez que, ao inverso disso, essas
disfunções são conseqüências da profunda e extemporânea alteração de seu
habitat. Salvo os distúrbios diretamente causados pela condição materna,
durante sua vida intra-uterina este bebe não apresenta nenhuma alteração
fisiológica. O nascimento prematuro, ao roubar-lhe o meio adequado, cria as
condições suficientes para transformar este bebe hígido no que didaticamente
passou a ser definido como bebe
prematuro.
É o meio, e não o bebe, portanto, o
grande erro.
É o meio, e não o bebe, por isso, o
grande problema.
A busca da reformulação do ambiente
extra-uterino desde a valorização desta verdade inconteste tem sido o grande
trabalho da neonatologia moderna.
Da mesma forma que nós, profissionais
dos primórdios do terceiro milênio, nos perguntamos sobre como era possível há
200 anos atrás a sobrevivência de bebes nascidos prematuramente longe dos
recursos da tecnologia contemporanea, seguramente daqui a algumas centenas de
anos os netos dos nossos netos se perguntarão sobre de que forma nossos bebes
dos dias de hoje conseguiram sobreviver ao ruído, ao toque exagerado, à dor, à
luz, à separação materna, ao isolamento e à nossa tanta desatenção e
negligencia...
Chegamos ao inicio.
Recomeçamos.
O mais importante até aqui foi termos
criado as condições necessárias para conseguirmos chegar a este hoje com os
olhos voltados para o amanhã.
Um amanhã onde a integridade humana
seja preservada desde a concepção até a idade mais senil, onde o homem não seja
dividido em legendas e onde a sua compreensão e seu acolhimento sejam
considerados de forma integral e completa: biológica, emocional e social.
Onde o fanatismo em torno da dopamina
se transmute em reverencia às manifestações da vida e à linguagem do corpo.
Onde nos alfabetizemos na língua da
vida exuberante e plena e universal.
Um tempo onde a Unidade Neonatal
possa tornar-se uma Unidade Neonatal Maternal, e porque não dizer paternal,
familiar...
E neste dia estaremos chegando a um
novo inicio cuja semente plantamos cuidadosamente desde aqui.
Esta é a vida.
Deus esteja conosco em nossa
caminhada.
Hoje e sempre.