Quando o assunto é amamentação de bebes prematuros, tudo parece muito polemico, pouco uniforme, longe ainda de um consenso.
A falta de um conjunto de normas amplamente aceito pelas diversas áreas do conhecimento e da pratica ligada a esse tema tem gerado a adoção de condutas muitas vezes absolutamente opostas e com isso não se percebe, como acontece quando o tema é a amamentação de bebes a termo, um progresso sensível que permita passos seguintes e aperfeiçoamento em cima de uma base comum.
Chegamos no Brasil a um índice em torno de 10 % de nascimentos prematuros.
Significa dizer que 10% de nossas crianças em algum momento passarão por necessidade de cuidados neonatais mais delicados.
A amamentação, por sua importância indiscutível para nossa espécie, merece atenção especial e especialmente uniformizada.
Segue uma lista de observações que merecem maior atenção por parte de seus cuidadores no sentido de criar uma linha de conduta capaz de facilitar progressos futuros para bebes, mãezinhas, cuidadores e pesquisadores.
1. Não se pode esperar sucesso na amamentação de bebes nascidos prematuramente se não for oferecido a esses bebes um cuidado respeitoso e ajustado na medida de sua capacidade de recebe-los. Cuidados que podem ser definidos como contingentes. Que falam a mesma língua do bebe. Que não o estressem. Que facilitem sua organização e respeitem seu desenvolvimento. Muitos estudos como o NIDCAP tem estabelecido esses parâmetros e reduzir a carga de estímulos inoportunos da UTI Neo é essencial, cabendo às equipes a responsabilidade de adotar esses procedimentos. É esse bebe que vai sugar o seio materno. É ele que vai se protagonizar as interações bio-psico-sociais responsáveis pelo aleitamento. Descuidar-se dele e trata-lo de forma negligente é optar pelo insucesso e pelo fracasso.
2. Não se pode esperar sucesso na amamentação de bebes nascidos prematuramente se não for oferecido a suas mães um cuidado respeitoso como parte da rotina. Mãe não é visita. É tempo sem hora. Luz que não se apaga quando sopra o vento e chuva desaba. Furtar a mãe do beneficio da companhia é impor-lhe uma dor que a língua portuguesa não nomina. Viuvez significa a falta do marido. Orfandade, a falta de seus pais. Mas a falta de um filho não tem nome suficientemente explicativo. É essa mãe que vai amamentar. É ela que vai se tornar alvo das ações bio-psico-sociais responsáveis pelo aleitamento. Descuidar-se dela e trata-la de forma negligente é optar pelo insucesso e pelo fracasso.
3. Não há o menor fundamento na iniciação do primeiro contato com o seio desses bebes no momento em que completam 34 semanas ou peso de 1800 gramas ou mais. O primeiro contato deve ser precoce e facilitador, ainda que não permita sucção eficaz ou lactação suficiente. Privar o bebe desse primeiro contato (e o mais certo seria defini-lo como temprano, no tempo certo, e não como precoce, que é o mesmo que compreende-lo como antes do tempo, o que não é verdade) é no mínimo impor dificuldades adicionais às já pertencentes à sus prematuridade e à da sua mãe.
4. A avaliação transdisciplinar com interação harmônica das inúmeras praticas e saberes sobre o AM em RNPT é inevitável. A fonoaudiologia precisa ser presença obrigatória, diária e 24 horas nas UTIs neonatais. Salvar a espécie humana não tem preço. Parecer da fono solicitado por pediatra é coisa do passado. O fono deve ter papel de destaque e autonomia dentro de uma Unidade Neonatal. A discussão da conduta deve ser acordada com o pediatra de igual para igual. Isso requer o estabelecimento de um parâmetro previamente discutido, uma base comum, quase um consenso onde não caibam antigos paradigmas que desrespeitam um novo olhar para esse bebe e para sua mãe, em cima do qual serão traçadas as condutas comuns, longe do atraso, da cegueira e do determinismo cego. A fonoaudiologia, quando respeitosa, é como um anjo da amamentação.
5. É necessário estabelecer um modelo de cuidado que permita a esse bebe, quando distante da mãe, manter seu reflexo de sucção que já existia dentro do útero. O nascimento prematuro cria um hiato no mecanismo de sucção fisiológica e preparatória desses bebes para o peito. Da mesma forma facilita o contato com uma serie de elementos que funcionam como estimulo indecoroso à amamentação: sondas, cânulas, tubos, etc... O uso de uma modalidade de chupeta de tamanho mínimo (muito menor do que as disponíveis no mercado) para ser utilizada com fins de preservação do estimulo da sucção em alguns bebes de muito baixo peso cujo contato materno por inúmeras razões não é possível precisa ser melhor determinado. Faltam estudos acerca da chupeta adequada, da clientela adequada, das indicações adequadas, do tempo possível e da validade desses conceitos como protetores da amamentação e não como seus desfavorecedores ou inimigos.
6. É necessário criar com a mesma consistência com que se fundamentou a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, uma Iniciativa Hospital Amiga do Bebe Prematuro, onde sua especificidade que não é contemplada pelo IHAC seja valorizada e não lhe sejam impostos conceitos que embora absolutamente aplicáveis ao bebe a termo não lhe dizem respeito. Valores especialmente dedicados a vida e a fisiologia desses bebes devem ser tratados de modo mais profundo. Sua sucção. O uso do colostro. A presença materna. A transferência do leite. O uso racional do copinho. A sua organização. Nada disso é contemplado no IHAC. Mas cada um desses pontos é essencial para este bebe.
7. O uso do colostro, genericamente conhecido como colostroterapia, precisa ser mais aplicado, e aplicado de modo mais definido. A importância da participação da mãe neste momento e os resultados dessa interação para a otimização da produção de leite e das repercussões de seu uso para a imunologia do bebe são fundamentais. Necessitamos de mais evidencias. Mais experiências. Mais tentativas. Mais gente fazendo. Mais gente estudando. Mais mães sendo beneficiadas. Mais bebes sendo beneficiados.
8. A capacidade de produção de leite humano pela mãe prematura ainda é uma incógnita para a maior parte dos serviços. Considera-se sua impossibilidade de produção de leite em quantidade suficiente. Sua condição prematura, frágil e indefesa, associada a uma falta de inclusão do cuidado materno na rotina das unidades essencialmente neonatais só agrava esse quadro. As UTIs Neonatais não estão, em sua maioria, preparadas para as mães que são, também em sua maioria visita, e muitas vezes inoportuna e perturbadora. É necessário criar e fortalecer mecanismos que permitam aproveitar e conhecer mais o potencial de produção de leite pela mãe prematura. Um longo caminho há que ser percorrido nessa direção.
Possivelmente existem muitos tópicos ainda a serem abordados para tentarmos sucesso em nossas investidas.
Essa colaboração inicial nem é a ultima palavra.
É só fogo na conversa para que ela não acabe na mesmice e no sono dos injustos.